Curso de licenciatura em Educação Física do IFMG - Campus Bambuí: conheça um pouco mais sobre a história da Educação Física na instituição
Na sexta feira, 17 de setembro de 2021, o Conselho Superior (CONSUP) do IFMG, aprovou a Proposta do Curso de Licenciatura em Educação Física, do Campus Bambuí.
Vale ressaltar que a formulação de um projeto pedagógico para mais este curso de Licenciatura começou a ser elaborado no início de 2019, e foi apreciado por diferentes instâncias, como: o Conselho Acadêmico, os núcleos envolvidos na proposta do curso de licenciatura em Educação Física, as várias diretorias e os coordenadores dos demais cursos de graduação do campus, as Pró-reitorias do IFMG, especialmente, a Pró-reitoria de Ensino (PROEN). O projeto pedagógico para o novo curso foi aprovado em todos os fóruns.
No entanto, a história da Educação Física, do Esporte e do Lazer no Campus BAMBUÍ se confunde com a história da própria escola, que nos idos de 1961, foi fundada como Escola Agrícola, com seus protagonistas sendo, sem dúvida, professores e alunos, que inventaram tradições, compartilharam experiências viveram e se apropriaram dos espaços e das múltiplas formas de se ocupar o tempo, numa escola onde a grande parte dos alunos viviam num internato. Para entendermos como foi possível a criação de um curso de Educação Física numa instituição que este ano comemorou seus 53 anos de fundação compreendemos que é de extrema importância entendermos a ambiência em que se construiu as múltiplas formas de se cuidar do corpo e de "formar" os alunos a partir das premissas vigentes e que certamente dialogavam com uma conjuntura mais ampla.
Nos anos de 1949 e 1950, na zona rural de Bambuí, algumas propriedades foram doadas, outras compradas e outras, ainda, desapropriadas, formando-se assim a Fazenda Varginha. Nessa fazenda passou a funcionar o Posto Agropecuário em 1950 (...). Já em 1956, foi criada a “Secção de Fomento Agrícola em Minas Gerais”, que deu início ao Curso de Tratoristas .
A década de 1950 no Brasil ficou conhecida como os anos dourados. Existiu uma grande tranquilidade institucional, pois foram quase dez anos sem acontecer golpes de estado . Além disso ocorreram duas eleições diretas: a de Getúlio Vargas e a de Juscelino Kubitschek, cujo slogan 50 anos em 5, impulsionou o pensamento progressista brasileiro.
O que de certa forma vez alavancar as artes, o desenvolvimento tecnológico, a melhoria da infraestrutura, tanto nas cidades quanto na zona rural, e também os preceitos e o ideário de modernidade incorporados no discurso e no pensamento brasileiro desde o final do século XIX. Contudo, foi na década de 1950 que aproximadamente nove por cento da população deixou a zona rural em direção às cidades.
Nesse contexto foi fundado o Centro de treinamento de tratoristas da Fazenda Varginha, que era uma escola de nível médio voltada ao ensino profissionalizante de agricultura e pecuária.
Naquele momento sessenta e quatro por cento da população brasileira vivia no campo. Entretanto, embora a “cultura rural” do sertão do Brasil fosse hegemônica, em Bambuí temos registros e documentos que mostram que muitas práticas corporais e, sobretudo, os esportes, já estavam disseminadas no município.
Em 1961 essa mesma instituição foi transformada em Escola Agrícola de Bambuí e, posteriormente em 1964 em Colégio Agrícola de Bambuí. Depois disso, várias outras mudanças ocorreram . Em 2002, a escola tornou-se Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET, o que possibilitou a abertura do primeiro curso superior de Tecnologia de Alimentos.
Em dezembro de 2008, com a expansão dos Institutos Federais a tradicional escola de Bambuí passou a ser um campus do Instituto Federal de Minas Gerais – (IFMG - Campus Bambuí). Devemos ressaltar que em todo esse período, a cidade, a dinâmica cultural e as “culturas” juvenis mudaram de uma maneira sem precedentes. Porém, conseguimos perceber no campus que existem ainda muitas resistências, e que principalmente na linguagem, nas práticas provenientes do campo, e por estarmos num pólo em que a ênfase são as ciências agrárias, as permanências e os estereótipos daquele homem da zona rural, que em alguns momentos foi caricaturizado como “caipira”, ainda é cultivado, por inúmeros estudantes.
Contudo, no processo de padronização cultural e de hegemonia do esporte sobre outras práticas da cultura corporal, principalmente pela enorme disseminação do discurso midiático, os esportes com vários de seus códigos são facilmente compreendidos, apropriados, e, em alguns casos, ressignificados por nossos alunos.
Temos no campus, em vários momentos, uma efervescente convivência entre o moderno e o arcaico, entre o urbano e o rural, entre o novo e o antigo, e isso se expressa das mais diferentes formas, aumentando a complexidade das relações e das estratégias que passam a ser percebidas e trabalhadas.
"Aprender para fazer, fazer para aprender": a Educação Física, o Esporte o Lazer no Campus Bambuí (1968 à 2007).
Educação Física, Esporte e Lazer
A pesquisa “Memórias das práticas corporais, dos esportes e do lazer do Campus Bambui (1968 – 2020) teve por objetivo resgatar as memórias de ex- professores, servidores e alunos da instituição que este ano completou 53 anos, desde a sua fundação em 1968, quando foi transformada em Colégio Agrícola de Bambuí pelo decreto 63.923, até os dias atuais como Instituto Federal de Minas Gerais.
A presente pesquisa foi desenvolvida pelo método da história oral (ALBERTI, 2005, p.155-202), pois a produção de depoimentos orais foi crucial para produzirmos fontes num contexto em que outros documentos como os impressos (atas, regulamentos, textos informativos, crônicas, matérias de jornais, cadernos de planejamentos, panfletos, cartazes, e afins), se perderam ou não foram devidamente preservados. Atualmente, temos um museu institucional no Campus Bambuí, que foi inaugurado em 2016, onde conseguiu-se catalogar muitas imagens de práticas corporais diversas, e que nos deram indícios da forte presença do esporte, com seus códigos e regras; conseguiu-se recolher um número bastante expressivo de troféus, que podem ser lidos e possibilitam recontar uma parte expressiva da história dos eventos esportivos, pois em alguns deles tem gravado o nome da competição e o ano da mesma. Fez-se também um levantamento de documentos (fotos, vídeos, impressos, panfletos e documentos audiovisuais de uma forma geral).
Numa análise dos 11 depoentes temos que: 5 deles foram professores da instituição, dentre eles os dois primeiros docentes de Educação Física, que trabalharam mais de duas décadas na escola, e que foram os responsáveis por implementar os primeiros sentidos dessa área. Cada um dos docentes, 3 homens e 2 mulheres, imprimiram suas intervenções pautadas num contexto mais amplo da EF e que dialoga com o conhecimento produzido em cada momento histórico. Percebeu-se, pela análise mais geral, bastante coerência com suas formações, suas experiências de vida relatadas nas entrevistas e suas trajetórias profissionais. São eles: Hilton Rogério de Carvalho, Luiz Vaz Dias, Júlio César do Santos, Gislaine Fátima Geraldo e Ana Flavia Leão Pereira.
Dos 6 ex-alunos entrevistados, 4 deles, posteriormente, se tornaram servidores do campus: Alda Maria Torres Campos, Ermin Rosa da Silva, José Heleno de Carvalho e Andreia Martins de Oliveira e Lima.
Também entrevistou-se o ex-aluno Aílton Barbosa Santana, que estudou no campus na década de 1990, mais especificamente de 1995 à 1997. E o ex-aluno Matheus Alexandre Silva, que estudou no campus no início dos anos 2000, mais especificamente de 2002 à 2004. Dessas duas entrevistas extraiu-se relatos muito importantes para entender melhor a vida dos alunos que residem na moradia estudantil, pois os dois, em momentos diferentes, residiram na escola, e revelaram aspectos muito significativos para pensarmos a educação do corpo na realidade de uma instituição educacional, suas rotinas, suas estratégias e toda a dinâmica social presente nesses espaços.
Todos (as) os (as) alunos (as) e servidores (as) falaram da importância das suas respectivas passagens pela instituição, destacando não somente o lado profissional, mas, sobretudo, a formação humana, os valores adquiridos e "solidificados".
Procurou-se colher os depoimentos de sujeitos que estudaram na instituição em momentos diferentes, e essa foi uma escolha interessante, pois possibilitou analisar a Educação Física em diferentes momentos, e também a atuação dos professores em diversos momentos das suas trajetórias profissionais. Conseguiu-se entrevistar ex-alunos que estudaram na antiga Escola Agrícola na década de 70, 80 e 90.
O primeiro professor de Educação Física do Colégio Agrícola de Bambuí foi Hilton Rogério de Carvalho, que atuou como professor de Educação Física de 1968 à 1990. Ele era militar e quando questionado de como começou a trabalhar como professor de Educação Física relatou:
"Pelo seguinte: eu tinha feito um curso de Educação Física, e eu tinha feito um pouco antes, eu tinha feito o exército, então naquela época a carteira de reservista dava a gente o poder, a autorização de lecionar a EF, desde que a gente fizesse uma reciclagem todo ano, então todo ano eu ia para Belo Horizonte e fazia essa reciclagem em diversos lugares lá, era na academia militar, num batalhão da polícia que tinha lá no Calafate, em diversos lugares, fui em Patos de Minas, em Divinópolis... em diversos lugares para poder renovar a licença para gente. Foi por aí, depois eu adquiri estabilidade na escola e fiquei lá até aposentar".
Professor Hilton Rogério de Carvalho
A Educação Física no Campus Bambuí seguiu uma tendência nacional, teve influências no seu começo de uma perspectiva militarista, e depois de uma visão onde o esporte, com seus códigos, princípios e valores predominou. Essa foi uma das primeiras hipóteses levantadas, mas numa cidade do interior com menos de 15 mil habitantes naquela época, o que chama a atenção, nesse caso em específico, é o protagonismo e a perspectiva de cada professor, que é evidente, tem a ver com a formação de cada sujeito, embora desde o século XIX na Europa, os métodos ginásticos europeus e os preceitos e as rotinas militares configuraram a invenção de uma pedagogia cujo o objetivo principal era o controle e a educação dos corpos, segundo Vigarello e Holt:
"Mais amplamente, a ginástica nova sugere a reviravolta possível das aprendizagens escolares, adaptada como nunca ao espaço e ao tempo da classe, favorecendo como nunca também os dispositivos de grupo e os exercícios coletivos. Seus princípios de fragmentação orientam e orquestram uma pedagogia: "É indispensável estabelecer uma disciplina e comando militares a fim de poder fazer executar ao mesmo tempo a maioria dos exercícios elementares". As ordens dadas aos alunos são ainda mais regradas porque os movimentos são limitados e precisos, os programas são tanto melhor definidos porque as progressões se transformam em séries. A classe se torna em dispositivo geometrizado cuja exploração nova os pedagogos de meados do século medem: "Os exercícios simultâneos não têm apenas a vantagem de exigir dos alunos o maior silêncio, mas também de fazer com que contraiam o hábito de uma atenção constante e de uma pronta obediência, hábito que em pouco tempo eles conservam nas classes". Não que a escola adote de imediato a prática, pelo menos está claramente informada dela durante a década de 1830".
Os preceitos e as condutas do âmbito militar eram uma constante nas aulas do Professor Hilton Rogério, que era carinhosamente conhecido por todos como "Popó", e que como podemos perceber claramente na sua fala abaixo, inclusive utilizando palavras e expressões bem representativas como: "entrar em forma", " a ordem unida", a forma de fazer os alunos aprenderem a marchar, todo o enquadramento que visava imprimir nos corpos dos alunos, nos seus hábitos cotidianos e na suas condutas, para além da formação escolar, uma premissa de que o controle dos corpos nessa conjuntura, era de fundamental importância para o bom andamento das rotinas escolares.
"Depois aí continuou a gente dava as aulas ali no campo de futebol e muitas vezes começava as aulas, as vezes lá no campo, às vezes em frente a cozinha, do lado esquerdo da cozinha, porque a turma entrava em forma ali. E eu trouxe para as aulas de Educação Física, eu não sei se beneficiou os alunos ou não, mas eu creio que sim, aquele ranço de militar sabe, de horário, de coisa certa, horário certo, de chegar na hora certa, então eu fazia a chamada lá, a gente fazia o aquecimento, pra depois descer pro campo. Era ali que acontecia os casos, que toda reunião de ex-aluno eles contam. Os casos de que eu fazia com as turmas ali, que era o seguinte, que lá no meio da... perto... perto do asfalto... perto da represa, tem uma casinha lá que tem uma bomba, você sabe que tem... tem isso lá ainda, não tem? Lá de cima, porque muitas vezes eu fazia Educação Física com eles, acompanhava, mas eram quatro turmas de manhã, quatro turmas a noite, e não dá conta, né. Às vezes, um dia que dava eu fazia, outro dia eu não fazia, então eu ficava lá em cima e eu queria, cismei de fazer os meninos aprender a ordem unida, que era igual no exército, que é marchar e parar... um, dois, três, e fazer eles parar. Eu falava uma vez, marcha: aí eu falava quando você marchar o pé esquerdo no chão, vou falar out, você vai contar um no pé direito, dois no pé esquerdo, terceiro parou, não pode dar um passo a mais, e eu falei todo mundo sabe contar até três não sabe? E ninguém acertava o raio do trem rapaz, sabe (Hilton Rogério levanta e faz como um militar a ordem unida), out, out, tá vendo? Olha só um, dois, três, então eu falava assim quem errar corre lá embaixo, rapaz, mas corria 99%, eu falava, mas gente vocês não sabem contar até três? Então essa história todo mundo conta ela. Aí eu ficava lá em cima sabe? Aí a turma correndo, dava a volta na casa..."
A entrevista com o professor Hilton Rogério foi de suma importância para compreendermos inclusive a própria fundação da escola, pois o mesmo participou do primeiro corpo docente e assim se expressou com relação aos espaços que eram destinados às práticas da Educação Física:
"No início da escola lá só tinha o campo, já existia o campo lá desde o tempo do fomento agrícola, o fomento foi inaugurado pelo pai do Dr. Alisson Paulinelli, foi ministro da agricultura, até era meu parente, Antônio Paulinelli, mas todo mundo conhecia como Tonico Paulinelli, fundou o posto agropecuário lá, o fomento agrícola, antes do colégio, então já tinha uma certa estrutura né, lá do fomento, então quando fundou a escola aproveitou a estrutura lá do fomento, e continuou dali pra frente. Depois foi feito aquela barragem, aquela água que tinha lá, aquela lagoa".
Popó era também adepto dos esportes, inclusive, o mesmo, em diversos momentos, citou que praticava o futebol; inclusive jogava também no time com os alunos. Nas suas aulas, com o passar dos anos, o esporte foi ganhando cada vez mais espaço, como nos revelou um dos seus alunos e hoje servidor do campus, Sr Ermin Rosa:
"Na época nós tínhamos a antiga quadra de esportes, onde desenvolvíamos futebol de salão, handebol, vôlei, e os demais esportes de quadra. Tínhamos também o campo de futebol e fazíamos aula de atletismo, no espaço da estrada que adentra a escola e ia até o posto de vendas. Na época o professor de Educação Física nosso era o professor Hilton Rogério de Carvalho, o professor Rogério, que ainda é vivo e residi em Bambuí. E nos anos 80, nós tivemos a adesão do professor Angeloantonio Paglia, que era professor de matemática, e que muito alavancou os esportes dentro do Colégio Agrícola de Bambuí. Exercícios laborais básicos de alongamento, de flexões, e depois era questão de aula de atletismo, as corridas de fundo e os esportes de quadra.
Nem todos os alunos participavam, tinham alguns que resistiam, mas a maioria até praticava, porque a questão das faltas era rigorosa nessa época, então os alunos, "o com vontade e o sem vontade" eles tinham adesão. Tinha a participação de mulheres. No início tinha poucas mulheres no curso, não tinha uma turma específica para mulheres não, as mulheres faziam as atividades junto com os homens, com o pessoal masculino. Não tinha diferença nas atividades, mas a intensidade era menor. Quando era atividade de quadra elas entravam um pouquinho, não jogavam o tempo todo, mas participavam conosco".
Sr Ermin Rosa na foto acima
O segundo professor de Educação Física foi Luiz Vaz Dias, e foi quem mais tempo atuou na escola, de 1980 à 2007. Formado em Educação Física pela UFMG, revelou que naquele período não tinham referências teóricas, e declarou que o diretor da época é quem traçou o que ele queria para a Educação Física, que segundo Luiz Vaz ele queria atividades para os alunos. Contudo, a perspectiva "esportivista" é claramente evidenciada nos anos 80 na Educação Física brasileira, e com a circulação de ideias e de pessoas essa postura foi assumida de forma acrítica e irrefletida, pois os mesmos acreditavam que a hegemonia do esporte, ainda mais numa escola agrícola, onde grande parte dos alunos eram homens e internos, era bastante eficaz. Segundo Luiz Vaz: "Lá na escola a gente consumia 5 bolas de futsal por mês na época, acabava mesmo, arrebentava, uma de campo e duas de espiribol, aquilo fazia barro em volta quando era chuva...rsss. Tinham as aulas em si. Eram 3 aulas de Educação Física por semana, 3 aulas de 50 minutos. Ás vezes a gente tinha dificuldade de encaixar as aulas dentro do período. Porque os alunos período integral, então precisava encaixar dentro do Núcleo comum. Então a gente sempre colocava as aulas de 7 às 9. Então de 9:20, que terminava o recreio que dava tempo deles tomarem o banho, mas todas as práticas possíveis na quadra. E a gente tinha equipe de Handebol, Basquete, Vôlei, a época era futebol de salão, hoje é futsal, né. É... Natação, depois da piscina... tinha equipe de atletismo, muito boa, a gente participava, tinha tênis de mesa, depois, teve uma época que nós compramos uns equipamentos de ginástica, eu tinha até equipe de ginástica, tudo o que era possível fazer dentro de uma quadra, numa piscina, dentro de um campo de futebol a gente fazia. E os diretores da época cobravam muito da gente, e haviam as competições e a gente tinha que ter uma equipe forte, nós chegamos a colecionar ali mais de mil troféus (7 min), nessas disputas por aí, era muito bom. Tinha participação de mulheres na EF? Muito pouca, porque não tinha alunas, as alunas, tinham duas a três alunas por turma, e eram 360 alunos até 2002, antes de Cefetizar, então as meninas, as vezes elas participavam como... quando a gente ia jogar fora elas iam juntas, elas tinham atividades a parte, mas não dava para fazer equipes eram poucas, as vezes de turmas diferentes, você ia dar aula, mas eram poucas, mas elas sempre tinham atividade".
Professor Luiz Vaz
Podemos perceber acima, que as modalidades esportivas, eram muito valorizadas pelos alunos da escola, pela direção que corroborava com a ideia muito presente na sociedade de que ter equipes esportivas fortes e competitivas ajudava a promover o nome da escola e a projetar os alunos para além do município de Bambuí. Além disso, as práticas esportivas davam vida, movimentava o campus e ampliava as possibilidades de diversão e de práticas que os alunos tinham acesso.
Quando Luiz Vaz chegou o mesmo contribuiu para ampliar as vivências, mesmo que pautado por uma visão de reprodução do esporte de rendimento no contexto escolar - que era fruto de uma característica do próprio momento que a Educação Física vivia; a vontade de desenvolver um trabalho abrangente e que possibilitasse aos alunos terem acesso a outras práticas corporais, como citado acima, manifestou-se no discurso do professor Luiz Vaz, e também nos depoimentos dos alunos que foram entrevistados.
Na fala do ex aluno Irineu José Gomes Neto que estudou na escola de 1985 à 1987, percebeu-se uma comparação das aulas ministradas pelos dois professores, Luiz Vaz e Popó:
"O Luiz Vaz era mais na parte de preparo físico, muita ginástica, muito exercício físico no início do ano, aí depois chegava um certo tempo e a gente já praticava mais o esporte, handebol, vôlei, futsal, era o que mais a gente fazia. Agora o Popó já era mais litgh, já era mais futebol e correr mais, agora o Luiz Vaz era mais... e tanto é que os alunos, a gente reparava chegava aqui alunos pequenos, fraquinhos e saiam alunos fortes resistentes.. eu também não sei se era a prática que tinha também agrícola, ou se era a prática esportiva, acho que ajudava bem o desenvolvimento do corpo".
Diversas análises podem ser feitas a partir do depoimento acima, é interessante observar que neste momento o professor Hilton Rogério já estava encerrando seu ciclo como docente, últimos cinco anos de atuação profissional, e uma certa desmotivação e cansaço, e por ter uma longa jornada de trabalho, com uma outra ocupação, podem ter interferido na qualidade das aulas.
Outra questão, que podemos problematizar, é quando o depoente cita que os alunos chegavam fraquinhos e saiam fortes e resistentes, pois devemos levar em consideração que os mesmos ingressavam na escola num momento das suas vidas em que a formação do corpo ainda não estava completa, ou seja, com dois a três anos a mais iam "ganhando corpo", não simplesmente pela intensidade das aulas de Educação Física, mas sobretudo pela própria fisiologia humana e pelo desenvolvimento corporal. Ainda mais, como bem analisado pelo próprio entrevistado, os alunos tinham aulas práticas das disciplinas técnicas voltadas para a agricultura, o que também podia ser um fator de favorecimento na constituição física dos jovens estudantes. Contudo, não podemos afirmar categoricamente que as intervenções dos professores de Educação Física eram o único motivo das mudanças no biotipo dos alunos.
Todos os professores que foram entrevitados falaram que tentaram fazer o melhor no seu tempo, de acordo com os valores que os mesmos acreditavam serem adequados para o bom funcionamento das atividades da escola e para a qualidade de vida dos alunos. A ideia de que a EF poderia incutir valores, regras, normas e bons hábitos, de saúde e de vida, estavam presentes e faziam parte daquele momento histórico, onde existiam menos opções de lazer e de ocupação do tempo livre. Contudo, os alunos que se envolviam nas práticas esportivas faziam intensamente, e aproveitavam mais as possibilidades de lazer e de diversão, pois a relação com as tecnologias eram bem diferentes do que temos nos dias atuais, implicando uma forma completamente diferente de relação com o tempo livre, de ocupação do mesmo e da forma de encarar a vida.
Com relação a participação das alunas nas aulas é importante acrescentar que existiam poucas mulheres matriculadas no curso de agropecuária. A visão preconceituosa e "machista", fruto daquela época, dificultava a inserção das mulheres em diferentes setores da sociedade. Segundo Alda Maria Torres Campos, que estudou na escola de 1980 à 1982, "as alunas não participavam das aulas de Educação Física não. Geralmente eram dadas algumas atividades quando reuniam as alunas do primeiro, segundo e terceiro ano (Vôlei, Peteca, mas a maioria das vezes assistiam as aulas de Educação Física)".
Contudo, existem divergências a esse respeito, pois Sr Ermin relatou que:
"Tinha a participação de mulheres. No início tinham poucas mulheres no curso, não tinha uma turma específica para mulheres não, as mulheres faziam as atividades junto com os homens, com o pessoal masculino. Não tinha diferença nas atividades, mas a intensidade era menor. Quando era atividade de quadra elas entravam um pouquinho, não jogavam o tempo todo, mas participavam conosco."
Essa fala acima nos fez refletir sobre a memória construída por cada sujeito, e que, sem dúvida, é fruto da experiência, mas também de elaborações e reelaborações ao longo do tempo. E também do lugar de fala e do entendimento de cada pessoa, sobre o que é participar da aula efetivamente. Sobre o sentimento de cada aluna (o) no momento da participação ou da exclusão.
Segundo José Heleno de Carvalho, em 1978 tinham 4 mulheres na turma dele, mas elas não participavam das aulas de Educação Física. O mesmo ainda narrou sobre as suas experiências nas aulas e a grande importância que os esportes tinham naquele momento em suas vidas.
"Fazia, corria, fazia o aquecimento, é... fazia os colchões, tinha o rolamento, eu não dava conta de fazer, então o Popó, Rogério, era o professor de Educação Física, ele e o Ângelolantonio, que era professor de inglês e matemática, ele era italiano, aí ele era firme, firme mesmo, então ele mandava fazer o rolamento, eu vinha aqui na cooperativa aqui e voltava, eu tinha o corpo duro... e futebol, quase todo dia tinha o futebol, e tinha o campeonato, era os três primeiros anos, turma A, B, C e D. O segundo E, F, G, H e o terceiro I, J, L e M, né, o terceiro ano, aí a gente disputava".
O ex-aluno, e hoje servidor, José Heleno lembrou de alguns eventos importantes para os alunos e para a escola, e que ajudavam a consolidar as práticas esportivas no contexto da escola. Diversas competições eram realizadas entre as escolas agrotécnicas, e pelos relatos que obtivemos, pude compreender a importância desses eventos para os alunos e para as instituições.
Ex-aluno José Heleno,atualmente hoje servidor
Para os estudantes esses momentos tiveram muita relevância, e ficaram marcados como lembranças afetivas, capazes de fortalecer vínculos, criar amizades e contribuir para a dinâmica da escola.
"Tinha corrida, inclusive teve uma Olimpíada aqui em 79, e vieram as escolas: Florestal, umas quatro ou cinco escolas, nós ganhamos os troféus todos, em 80 nós fomos lá em Florestal, inclusive eu fazia parte do revezamento 4x100. Eu era muito esperto, corria muito. E 100 metros rasos também, eu fiquei em segundo lugar lá em Florestal e, aqui em Bambuí, em segundo também. Tinha um colega meu o Belimar, lá de Moema, que ele era muito bom mesmo, ele ganhava tudo. Natação, a gente não tinha piscina na época, né, mas a gente foi em Florestal, tem uma piscina lá, e nós ganhamos tudo lá, inclusive nós levamos um cara que não era da escola, que era campeão mineiro de natação".
Além disso, como já afirmado em outros trechos, eram nesses jogos que os códigos do esporte de alto rendimento eram reproduzidos e assimilados. Era quando os alunos que se destacavam nas modalidades esportivas se tornavam mais "populares".
Em 2008, o professor Júlio César dos Santos começou a trabalhar no campus, depois de ter prestado concurso e ser nomeado. Os espaços destinados a Educação Física neste momento eram "a piscina e as quadras externas, pois o ginásio estava passando por reforma e o Campo de futebol estava interditado porque sofria inundação e teve que ser feito um sistema de drenagem, e, é claro, as salas de aula". Segundo a fala do professor Júlio, na sua chegada o esporte ainda era o conteúdo hegemônico nas aulas de Educação Física, mas outros conteúdos, como os jogos e brincadeiras, também eram desenvolvidos nas aulas.
O curso era concomitante. As práticas desenvolvidas: predominantemente os Esportes, que já estavam previstos. Futsal era o que se destacava mais, aí tinha o Vôlei, o Basquete, o Handebol, e também algumas atividades do universo dos jogos e brincadeiras, que também passaram a ser desenvolvidas, e também o Atletismo que nessa época a gente desenvolvia. Tinha a participação de mulheres, não havia a distinção, porém nas atividades extra classes havia uma predominância da participação masculina. Nesse período havia um grande número de alunos do curso de agropecuária, e a grande maioria de homens, e acabava que poucas garotas participavam das atividades, havia poucas garotas no campus, e poucas participavam das atividades. Não havia nesse momento moradia estudantil para as mulheres, somente para os homens. Não existia diferença das atividades para homens e para mulheres nas aulas.
É importante salientar que a participação feminina nas aulas neste momento se dava junto com o público masculino, mas quando se fala dos projetos extra classe, por uma série de fatores destacados pelo professor Júlio, a participação das mulheres era pequena. Neste sentido, com o aumento progressivo das condições para as mulheres estudarem e residirem na moradia estudantil no próprio campus a participação feminina também aumentou, o que nos faz pensar o quanto as condições materiais e a ampliação das políticas de assistência estudantil foram efetivas no IFMG em Bambuí, principalmente atentos a assegurar o direito de todos (as) a uma educação pública e de qualidade.
Em 2015 a professora Gislaine Fátima Geraldo começou a atuar no Campus Bambuí e atuou no mesmo durante um ano e um mês, período em que realizou atividades variadas, como oficina de lutas, atletismo, palestra sobre ergonomia, com o curso superior de Agronomia e Zootecnia, realização de torneios e "dias de jogos e brincadeiras". A professora Gislaine afirmou que não existia diferença nas atividades desenvolvidas entre os alunos e alunas durante as aulas de Educação Física, contudo a mesma ressaltou que de fato na participação masculina "a demanda era maior pelas práticas, especialmente nos cursos técnicos".
A professora Gislaine destacou a excelente estrutura do campus e o acolhimento de todos, o que possibilitou o êxito das atividades enquanto foi docente na instituição.
No ano seguinte, em julho de 2016, a professora Ana Flávia Leão Pereira, assumiu o cargo de professora de Educação Física no IFMG - Campus Bambuí, sendo efetivada depois de uma experiência como professora substituta no IFMG - Campus Ouro Preto. No sentido de ampliação das práticas da cultura corporal, a professora Ana Flávia trabalhou com práticas diversificadas como jogos de inúmeras modalidades esportivas (peteca, vôlei, basquete, futsal, futebol), frisbee, corridas e caminhadas, treino funcional, musculação, badminton, danças, ginásticas, jogos e brincadeiras.
Os alunos e alunas recebiam com muita abertura as novas possibilidades de práticas sugeridas para a pratica de Educação Física. Algumas práticas como danças e ginásticas foram praticadas por homens e mulheres embora alguns homens das turmas de agropecuária ainda apresentassem alguma resistência. Os alunos em geral sentiam necessidade de ter atividades extracurriculares já que a cidade tem pouca ofertam de práticas de lazer.
É importante salientar que a ampliação das práticas da cultura corporal pode ser uma importante ação para a educação para e pelo lazer, na formação dos nossos alunos. Este trabalho é de suma importância ainda mais num contexto em que as políticas públicas de lazer são deficientes e restritas e não possibilitam a adesão de todos (as).
Outro ponto de destaque em todas as falas dos depoentes é a infra estrutura do campus e a grande variedade de materiais esportivos e equipamentos para as aulas de Educação Física, o que certamente contribui para o êxito das propostas e para o entusiasmo dos alunos.
Atualmente no Campus Bambuí somos quatro professores de Educação Física: Júlio César dos Santos, Marcelo Pereira da Silva, Regiane Maria Soares Ramos e Rodrigo Caldeira Bagni Moura. Na nossa proposta curricular buscamos a ampliação e a diversificação dos eixos temáticos, trabalhando na perspectiva da cultura corporal de movimento com: Jogos e brincadeiras, esportes, ginásticas, danças, lutas, capoeira, atividades rítmicas e expressivas e com projetos que nos possibilitam trabalhar temas relevantes para a formação dos nossos alunos e alunas.
Considerações finais
Novos tempos... e agora com a possibilidade de implementação do curso de licenciatura em Educação Física novas e promissoras histórias estão para ser escritas. Histórias e narrativas que serão construídas neste cenário de tantas vidas transformadas e de tanta beleza a ser compartilhada!
A pesquisa "Memórias da Educação Física, do Esporte e do lazer no Campus Bambuí" demonstrou a importância e o enraizamento deste componente curricular na história do campus, e nas trajetórias de professores e alunos que passaram pela instituição, bem como constatamos uma substancial ampliação e uma relevante diversificação dos conteúdos trabalhados pela disciplina no decorrer dos anos.
Esperamos em breve termos mais notícias do início de mais um curso no IFMG - Campus Bambuí.
Fonte: Prof. Rodrigo Moura - IFMG Campus Bambuí
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